Alunos e protocolo de volta às aulas presenciais

Postado por: Tatiana Dornelles

Há alguns dias, ouvi atentamente a minha afilhada, de cinco anos, contar sobre a brincadeira em frente à casa. Ela e sua amiguinha, ambas de máscaras, correram, pularam, brincaram de boneca, etc. Ela estava empolgada contando o que tinha feito. “Ah, brincamos também de cabra-cega. Ela colocou minha máscara pra tapar os olhos”. Ops!
Mesmo com todas as explicações de distanciamento, uso de máscaras e higienização constante das mãos, seja com água e sabão ou álcool gel, as crianças não têm a mesma percepção de mundo do adulto. Elas até entendem, quando a gente explica, que há um vírus mortal e invisível circulando por aí, que é preciso se cuidar e manter distância das pessoas que não são do nosso convívio diário, mas, num momento rompante de brincadeira, toda essa teoria vai por água abaixo.
E, se é difícil controlar nossos filhos, afilhados e afins, quem dirá 15 alunos em uma sala de aula… E estou falando em 15 pensando no tal “escalonamento”, porque a realidade de uma sala de aula é de 30 a 35 estudantes (antes da pandemia). Quais serão as reações das crianças ao retornarem? Não vão se abraçar? Não vão querer abraçar os professores? Vão realmente conseguir não tomar a água da garrafa do colega? Vão ficar afastados uns dos outros? Vão ficar cerca de 4h de máscara? O protocolo de volta às aulas de forma presencial – do governo de Santa Catarina – é “perfeitinho” no papel. Mas será que vai funcionar?

Na página 14, por exemplo, a recomendação é que os professores usem máscaras descartáveis, evitando as de tecido, e que troquem ao fim de cada aula ou mudança de sala. Eu tenho 10h na rede estadual e, com isso, tenho 5 turmas. Trabalhando uma vez por semana o dia inteiro, no meu horário pré-pandemia, eu trocava de aula/sala 10 vezes (cinco em cada período). São 10 máscaras que eu teria que trocar. Ou seja, um professor de 40h, com carga-horária cheia, trocaria cerca de 32 vezes. Isso numa semana, apenas. E falando de um professor, apenas. Será viável? O governo irá disponibilizar as máscaras aos profissionais? Ou teremos que tirar do próprio bolso?

Na página 17, diz: “orientar alunos e trabalhadores a não compartilhar material escolar, como canetas, cadernos, réguas, borrachas entre outros; porém, caso se faça necessário, recomendar que sejam previamente higienizados”. Quem realmente conhece uma sala de aula sabe que isso não vai ter como conter. No início, até vai, mas é só virar as costas e começa um tal de “professora, João pegou meu lápis”, “Otávio, me empresta o lápis azul?”, e por aí vai.
Outra questão sobre o retorno é o tal escalonamento. Isso na verdade não atrasaria ainda mais os conteúdos? Vamos pensar. Numa semana, dou o conteúdo sobre releitura para metade dos alunos do 7º ano. Na semana seguinte, repito o conteúdo para a outra metade. Em tempos normais, na semana seguinte estaria fazendo atividade, avaliação ou até passando um outro conteúdo. Ou seja, nem por Deus vamos conseguir dar conta do que precisamos ensinar até o fim do ano.

Máscaras distribuídas em Manaus viram meme

Ah, e você deve estar pensando: para o professor é bom, está em casa mesmo! Esta semana, um absurdo vindo de um coleguinha jornalista. Moacir Pereira teve a capacidade de escrever que: “os diretores de estabelecimentos privados constatam que o setor público não cria opções de aulas presenciais porque os professores estão numa posição ideológica tranquila. Há cinco meses recebem os salários em dia sem precisar ir à escola para atender os alunos”, disse ele em sua coluna. Certamente, ele nunca esteve numa sala de aula e nem mesmo sabe como está a rotina de professores nessa pandemia.
Não, não, não. Não estamos tranquilos. Estamos trabalhando dobrado, porque os alunos e os pais não querem esperar pela resposta da dúvida. Querem na hora. Agora imagina vários pais ou alunos, em horários diferentes do dia, perguntando a mesma coisa, que seria explicado a todos os estudantes no mesmo momento em sala de aula. Isso sem contar a elaboração de aulas, atividades, respostas em grupos de WhatsApp, videochamadas ao vivo, criação de conteúdo para estudantes através do YouTube, preenchimento de professor online, de tabelas de quem faz e quem não faz atividades, planos de aula semanais ou quinzenais que precisam ser postados em todas as plataformas, avaliações e notas de quem está fazendo, etc, etc, etc.
Acho, sinceramente, que esse retorno deveria ainda ser adiado, melhor pensado, porque a realidade de uma sala de aula é diferente do que está no papel. Com o número elevado de contágio, e que cresce a cada dia, não é momento de pensar em retorno. Isso sem falar em alunos ou docentes assintomáticos, que podem transmitir a doença. O momento, a meu ver, ainda requer cuidados. E você, o que pensa sobre isso?

Texto: Tatiana Dornelles
Jornalista e Professora da Rede Estadual de SC

Aviao
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